Palermo II { Sicília }












|fotos: Carla Martins|
Palermo, Sicília, Itália

quando me sentei a olhar as fotos de Palermo, rapidamente percebi que teriam de ser divididas. para além da quantidade, os momentos eram tão distintos, tão intensos; misturá-los seria sacrilégio. 
retomemos o passeio no passar da procissão (Palermo I aqui). 
ruas fechadas, transeuntes em agitação. quase instintivamente mudo o modo da máquina fotográfica para preto-e-branco. as formas parecem-me mais definidas, intensas, com sentido. os grupos sucedem-se. congregações exclusivamente masculinas, exclusivamente femininas, mistas. todos caminham com empenho, envergando faixas, carregando estandartes. é impossível olhar para estes homens e não recordar os retratos cinematográficos tantas vezes feitos. são sicilianos. orgulhosamente sicilianos. 

é bom estar ali, penso. havia algo estranhamente reconfortante naquelas manifestações de devoção. não que seja devota. mas fez com que me sentisse em casa. talvez porque o fervor que via em Palermo me recordasse aquele que vejo nas aldeias por esse país fora. o fervor que vejo aqui, à porta de casa, numa procissão noturna, silenciosa, iluminada por velas. o fervor que vi numa terra da raia, já na vizinha Espanha, no final dum tórrido dia de Verão, esvaziando o jardim público - onde apetece estar depois do sol fugir da vista, e levando as mulheres (e seus abanicos) para a celebração das seis da tarde. 
sem querer, acabámos por andar sempre em sentido contrário ao passar da procissão. os grupos deslocavam-se na direcção dos quatro cantos e nós na direcção da Catedral. lá nos cruzámos com o andor engalanado, lá a multidão ficou para trás.

emergimos de novo no pôr-do-sol, no dourado. ficou mais fácil percorrer os passeios, escolher a rota. perdemo-nos, como tantas vezes acontece, por entre ruas. sentámo-nos num canto, cansados e exaustos. pareceu-nos cómodo, interessante. uma viela por entre casas mal amanhadas, um pequeno bar, cadeiras e mesas sem par, antigas. pedimos um spritz com Aperol - reminiscência da passagem por Veneza - e umas bruschettas. duas mulheres conversavam animadamente; duas ou três crianças brincavam. lançam-nos sorrisos simpáticos, acolhedores. sabem que somos turistas. um casal chega, descontraído. claramente habitantes desta cidade - penso. por acaso, sentam-se ao nosso lado. ela, mais desenvolta no seu inglês, conversa discretamente connosco. ficamos a saber que têm um hostel e uma galeria de arte contemporânea, ali mesmo em Palermo (suspeitas confirmadas). que afinal o fervor maior não é na procissão mas na festa popular da noite anterior (e que antecede o feriado). que ele já viajou por Lisboa e que aquele recanto onde todos estamos neste final de tarde, lhe faz lembrar Alfama. que gosta da nossa cidade e do nosso país. 
pedimos mais umas bruschettas. profundamente divinais e saborosas. acabariam por ser o nosso jantar. mais uns spritz. o sono apodera-se, no calor que se abafa com uma bebida fresca. o casal conversador parte. pouco depois, e lentamente, retomamos o caminho em direcção ao sítio de pernoita. as luzes, essas, já são artificiais e adornam a cidade em honra da Padroeira. 










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